Morava do lado do meu prédio um velhinho em uma casa antiga. Casinha lá dos anos 40 ou 50, um arco na entrada, pilares cheios de detalhes, janelas de madeira e uma grande porta branca.
Dentro da sala havia um piano. Praticamente todos os dias que eu passava na frente da casa, estava lá o velhinho tocando piano. Tocava muito bem, desde os clássicos até alguns novos clássicos nacionais da bossa nova. Talvez fosse sua única distração na vida, passadas muitas décadas, seu corpo só permitia esse lazer.
Ao longo de alguns anos eu reparei sempre nas músicas que ele tocava. Nos últimos 2 anos, lembro de poucas vezes em que o vi tocando alguma música efetivamente. Muitos exercícios de escala, muito treino, mas pouca música. Talvez sua memória estivesse traindo suas vontades, as partituras não estavam mais vivas dentro dele.
Sobraram as escalas
E um dia, ele não estava mais tocando. Nem no seguinte, nem o resto da semana. Um mês sem ve-lo, pessoas diferentes na casa. Uma movimentação de obra, pessoas examinando a fachada da casa. O piano não estava mais ali em seu lugar, ao lado da escada.
Obra. Martelos, madeira, ferro, concreto, pedras, andaimes. A velha casa ainda está lá. Transfigurada, deformada, destruída. A modernidade transformou a velha casa com arquitetura elaborada e belos detalhes em uma construção morta, sem vida, moderna.
Hoje, a velha casa é um bar. Sob a alcunha de Botequim, talvez tente remediar a ofensa que fez ao passado, à história. Jovens sentam em mesas espalhadas pela velha sala, bebendo, fumando, falando alto. Não respeitam o ambiente quase sagrado do velhinho que morou naquela casa por tantos anos. Não escutam o som do piano que ainda vibra naquelas paredes.
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